quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Tempo

Corda. Tic-tac. Trim.


A bailarina dançava sua música solitária. Uma harpa a embalava. Ela girava, flutuava no ar. Braços elegantes. O salão ecoava as notas e o som da sua sapatilha raspando sutilmente no chão polido. Uma mecha de cabelo se soltou ela parou brevemente a valsa ajeitando-a atrás da orelha. Sorrio para a harpista e voltou a bailar. Despreocupada. Sem coreografia ela girava, girava.

Lá fora uma fina garoa caia. Uma senhora bateu a xícara de chá no pires, pagou sua conta e saiu. O sino do café balançou e ela abriu o seu guarda-chuva. Esbarrou em um senhor que passava. Aquecida pelo chá sentiu também o coração quente ao mirar o senhor bem vestido. Sua pele corou e ela continuou seu caminho.

A algumas quadras dali um taxista estava parado na fila de carros. O verde refletiu na poça de água e os carros voltaram a se movimentar lentamente. O motorista desatento perdeu alguns segundos escutando sua música até ouvir a buzina do carro atrás. Só então saiu seguindo seu percurso vagarosamente.

A bailarina após bailar colocou seu casaco, despediu-se da harpista e saiu para rua. Enfrentando o vento gelado do dia de chuva ela correu para se proteger no toldo da loja de discos ao lado, só então sentiu falta de algo. Voltou para o salão e pegou sua bolsa. Deu tchau novamente para harpista e saiu sorrindo andando mais apressada.

A senhora quente agora passava por uma banca de jornal lendo as manchetes das revistas expostas enquanto recordava o olhar do senhor do esbarro. Tic-tac. Tanan-tanan. As pessoas passavam apresadas, correndo da chuva e ela lenta seguia o tic-tac enquanto lia. Quando resolveu atravessar a rua vinham carros. Aguardou.

A bailarina andava correndo pela calçada. A água molhava seus sapatos pretos brilhantes. Com a bolsa na cabeça tentava se proteger.

A senhora olhou para um lado e para o outro e resolveu atravessar – não haviam carros passando no momento.

O taxista perdido na sua música escutou o rádio chamar. Teria um passageiro. Então apertou o pé focado no destino passado pelo rádio. Aos poucos voltava a se distrair com a música.

A bailarina molhada corria e sem escutar barulho de carros resolveu atravessar a rua correndo. Tum...
Foi então que ela sentiu seu corpo batendo contra o da senhora do chá, agora gelada no fim de tarde chuvoso. O guarda-chuva escapava da mão da senhora e ganhava o céu soprado pelo vento. Elas se olharam e um som de freio fez-se audível. Tam! O carro de taxi bateu forte contra o corpo das duas. Corpos já estremecidos por um impacto anterior.

A bailarina ganhava o ar em um vôo de pluma, sua bolsa a acompanhou abrindo deixando escapar suas sapatilhas que ganhariam o chão molhado. A senhora, que mais cedo perdera o horário do oftalmologista, seguia rumo ao chão. O taxista levou as mãos à cabeça tremendo por inteiro a música escapou-lhe dos ouvidos.

Mais tarde ele saberia que o serviço de emergência não era tão rápido. Um pouco mais além que uma de suas vitimas não resistira. E por anos debruçaria sobre a janela e lembraria aquele dia de chuva. Tempo.

Thiago Bertotti.


22 comentários:

Luis Sapir disse...

Dramático como as histórias se intercalam em um final lindo porém triste.
Imaginei a bailarina dançando no ar de olhos fechados pela primeira e ultima vez.
O ballet da morte

Fabiane Daz disse...

Muito bom.. Mas muito triste..

bia santos disse...

"Quem lê viaja" Viajei agora!
Muito bom o texto, você escreve muito bem!

Matheus Laville disse...

você esta bom para ser escritor...

Anônimo disse...

Que . . lindo!
Nossa Thi, muito bom mesmo.
Vc vai para meus 'recomendo' hahaha
Acompanharei seu blog, vale a pena!

:D
tem twitter?
@rah_merege

Um beijo, tesigo lindo!

Exaltai ao rei dos reis. disse...

Muito bem feito o blo,
parabéns.

BLoG do CHARQuE disse...

bOM D+ TEM MSN!?

O melhor blog do meu .... Bairro!!!
http://blogdocharque.blogspot.com/

Isabel Serra disse...

gosteei mtmt , você é bom (ý .

http://euaprendique.blogspot.com/

Mayara Vieira disse...

Ótimo texto, muito bom
Parabéns.


#Beijos

Calcanhar de Aquiles disse...

"Tic Tac, Trim, Tanan-tatan, Tam!"

Fora a trama que faz com que o leitor leia do início ao fim a sonoridade do seu texto é impressionante.

Muito bacana o uso que você faz desse espaço.

Abração do amigo "Calcanhar" aqui.

Empreendimento disse...

Aee boom o blog gosteii do texto muito foda mesmo
Seguindo aee

se quiser passa no meu
http://nicolas-sabervivercom.blogspot.com

Patrícia Ferreira🥁 disse...

Como alguem pode escrever tão bem assim?
Parabéns!
=)

ϟ Ritchele disse...

noss, teus posts são liindos dms *_*

Agnes disse...

Cara, é muito delicado e sutil esse jeito de vc escrever!
O tempo consumirá tudo um dia...
Será que vc, que escreve tão bem não poderia comentar em algum post meu?
Seria uma honra!
http://s2ois.blogspot.com

Anônimo disse...

Blog muito bom...
soh faltou melhorar o template...
confira o meu...
http://maniacosvirtual.blogspot.com/

Patrícia Ferreira🥁 disse...

Lembrei do seu texto!
Já passei por aki!
Mais uma vez!
Parabens
=)

Jade Nadaf disse...

Uau, vc consegue realmente fazer a gente sentir todas as sensações do texto. Triste mas ao mesmo tempo leve, parabéns!

[ se quiser dar uma passada no meu, rs http://jadenadaf.blogspot.com/ ]

Ana disse...

Nossa. Lendo seu texto agora penser: "Caramba, como não escrevi isso antes?!" rs
Vc escreve muito bem e é o tipo de texto que eu gosto. Vi muita beleza em suas palavras e muita realidade na sua temática. Amei!
Sucesso pra vc sempre!

Unknown disse...

Ótimo ritmo e construção de histórias...
Texto com evidente sensibilidade e encantador no seu pesar!

Belo post!

;D

Bella Verissimo disse...

Ótimo, ótimo. Parabéns ;*

ϟ Ritchele disse...

teus textos são liindos dms *_*

Juliane Bastos disse...

Noossa, como nunca vi teu blog antes ? :O

perfeito aqui, amei. Tuas palavras encantam :D:D:D

aah não conheço Enya não :/
Mas to indo procurar *--*

seguindo vc ;D